sexta-feira

a cinza caía-lhe em cima


tentava segurar o cigarro entre dentes
inspirava o fumo e deixava que se soltasse
dilatando as narinas - escrevia num teclado apagado
apagava pedaços de vida - mal se vêem - estão lá, adivinha-se o sítio
o fumo ardia-lhe nos olhos - lacrimejava e não tinha mão que lhe secasse a face
ocupava os dedos - dedilhando um teclado que se esbatia de uso - a cinza caí-lhe em cima do peito
agora não podia parar - nunca mais poderia parar.
os olhos ardiam - e não viam mais nada para além das sumidas letras de um teclado usado - tão usado quanto ela.
tinha-o usado na vida e gastava-lhe o tempo
usava-se a si mesma, para tentar reescrever vida.
escrevia-a em pedacinhos - pequenas frases - letras escondidas em palavras demasiado rebuscadas
nessas alturas pensava que a vida não se podia voltar a pintar - a tinta caía com o tempo - por si só
remenda-se ali - pincelava-se acolá
imperfeita
em paredes gastas-  teclas usadas e pinturas maltratadas - a vida corria plana - sem círculos
o fumo amarelecia as paredes da sala - a cinza caía-lhe em cima
no meio de nada
fazia-se em pó
e
não a preocupava.

Teresa Maria Queiroz - Janeiro 2012

foto- Teresa Amaro

10 comentários:

urbanascidades disse...

Teresa, grande retrato de solidão e lição de vida. Parabéns pela profundiade e poesia do teu texto.
Paulo Bettanin

Viiii disse...

Teresa, quanto tempo!
Olhe, antes de tudo devo me desculpar por não andar tanto por aqui. A sua forma de escrever é diferente (do que estou acostumada), mas fascinante. A profundidade com que você descreve os ambientes e os sentimentos é fantástica! Parabéns

Sonhos melodias disse...

Oi Teresa convido você a conhecer o blog literário que está apenas começando e no qual faço parte. Hoje tem texto meu.
http://coletivoclaraboia.wordpress.com/2012/02/01/curto-circuito/

Te espero por lá
Bjs

Penélope disse...

E quantos vivem assim, com as fragilidades corroendo a alma e tentando, mesmo assim, recomeçar, sempre. Que forma triste, mas tão sensivel de se desenhar um quadro solitário da figura humana. Belo!!! Abraços, minha amiga!!

Unknown disse...

Gostei
Ana Cristina

urbanascidades disse...

Teresa, convido a ti e a teus leitores para conhecerem e participarem com suas produções literárias do Urbanasvariedades, o modo long play do Urbanascidades, blog cultural de produção coletiva. Visite urbanasvariedades.blogspot.com. e solte o verbo.
Um abraço,
Paulo Bettanin.

Luna disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Luna disse...
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Luna disse...
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Anónimo disse...

Olá parabéns pelo blog.
um abraço.